Após 41 dias preso na Superintendência da Polícia Federal, o governador cassado, José Roberto Arruda (sem partido), comunicou por meio de uma carta endereçada aos seus advogados, que não vai recorrer da decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que optou pela cassação do seu mandato por infidelidade partidária, tornando-se definitivamente ex-governador do DF e perdendo o foro privilegiado.
“Resisti a um inquérito que já ultrapassa 180 dias. Suportei as pressões, as traições, os flagrantes montados, as farsas, as buscas e apreensões, os vazamentos de documentos para fomentar o escândalo, o abandono do Democratas, a prisão. E até agora eu não fui ouvido uma única vez! Pensei na minha família, nos amigos de verdade, no trabalho que fizemos por Brasília nesses três anos. Por isso decidi solicitar a vocês, meus advogados, que não recorram ao TSE, apesar do bom direito que vos assiste. Saio da vida pública”, afirmou Arruda, em sua carta.
O ex-governador destacou que seu estado de saúde o impulsionou nessa decisão, já que o diagnóstico de doença coronariana surgiu após a sua prisão. “Não posso negar que a doença coronariana que me levou ao cateterismo – e agora a cuidados especiais – foi variável importante nesta decisão”, destacou.
Arruda acredita que a verdade ainda será revelada e por isso crê na Justiça. “Com a paz que já me assiste neste momento de despedida, lembro que 'há homens livres nas celas e homens presos nas ruas'. Pode demorar, mas a verdade se estabelecerá. Tenho fé que serão identificados os interesses que contrariei, as propostas indecorosas que não aceitei, os hábitos que repeli.
Já vivi o bastante para saber que as razões políticas muitas vezes ultrapassam os limites do Direito – e que a humildade de saber parar pode valer mais que a mais triste e destemida insistência”, finalizou o ex-governador. Com essa decisão, Arruda deverá ser transferido da Superintendência da Polícia Federal para a Papuda. A notificação pode ser feita a qualquer momento.
Gurgel insiste em intervenção
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, critica a decisão da Câmara Legislativa de realizar eleições indiretas, mas ao mesmo tempo é contra uma intervenção federal, no DF, cujo pedido está no STF e será analisado até abril. Ele justifica dizendo que ele foi motivado pelo cenário político.
Carta de Arruda aos advogados
Dr. Nélio, Dra. Luciana,
Ao agradecê-los pelo trabalho que têm feito na minha defesa nas diversas frentes, com o apoio de competentes e leais colegas de profissão, desejo manifestar, em especial à Dra. Luciana Lossio, que sustentou a nossa defesa no TRE – o meu desejo de não recorrer ao TSE, mesmo consciente do nosso bom direito. Não tenho a culpa que querem me imputar.
Resisti a um inquérito que já ultrapassa 180 dias. Suportei as pressões, as traições, os flagrantes montados, as farsas, as buscas e apreensões, os vazamentos de documentos para fomentar o escândalo, o abandono do Democratas, a prisão, 180 dias de inquérito, 40 dias de prisão. E até agora eu não fui ouvido uma única vez!
Neste final de semana, imobilizado na cama de uma cela, pensei muito sobre tudo isso e, sobretudo, nos dois mais recentes episódios: a decisão do TRE e o cateterismo a que me submeti, confirmando uma doença coronariana que eu não tinha antes de enfrentar essa luta.
Pensei na minha família, nos amigos de verdade, no trabalho que fizemos por Brasília nesses 3 anos, nas 2.000 obras, nas 200 escolas de educação integral, nas 1.000 novas salas de aula, no novo sistema viário, pistas, duplicações, viadutos, nas 12 cidades mais pobres que há 20 anos esperavam por asfalto, esgoto, escolas, centros de saúde, vilas olímpicas, postos policiais, nos condomínios regularizados, enfim, em tudo que fizemos para colocar ordem na cidade e nas contas públicas.
O fim das vans piratas, das invasões, os 2.000 ônibus sem nenhum aumento de passagens – 3 anos de governo sem nenhum aumento de passagem – os parques, o Noroeste [bairro], os 65.000 pais de famílias empregados nas obras do governo. E concluí que posso ajudar mais Brasília, no seu aniversário de 50 anos, com a minha ausência do que com a minha presença.
Diminuem-se os conflitos e as paixões. Por isso decidi solicitar a vocês, meus advogados, que não recorram ao TSE, apesar do bom direito que vos assiste. Recorrer seria prolongar o drama. Acatando a decisão do TRE, responderei aos processos como cidadão comum, longe das paixões e dos interesses políticos. Saio da vida pública.
Espero, apenas, que meus sucessores não deixem que as obras sejam interrompidas, todas já com recursos assegurados e na sua fase final. As obras não são minhas, são da cidade. Sou grato a toda a minha equipe de governo que, com eficiência e determinação, foi fundamental no cumprimento dos nossos objetivos. Sou grato, também, a Sua Exa. o Sr. Presidente Luiz Inácio Lula da Silva – e ao seu governo, sem cujo apoio não teríamos feito tudo que fizemos.
Com a paz que já me assiste neste momento de despedida, lembro que “Há homens livres nas celas e homens presos nas ruas” – O meu corpo-matéria sofre desgastes, mas nunca tive tanta liberdade de espírito. Leio, em Eclesiastes: “Sabedoria é a capacidade de discernir a verdade por trás das aparências. Quem é capaz disso não se perturba diante dos conflitos”. Pode demorar, mas a verdade se estabelecerá.
Tenho fé que serão identificados os interesses que contrariei, as propostas indecorosas que não aceitei, os hábitos que repeli. A vida é cíclica. Já vivi altos e baixos. Aplausos e vaias. Vitórias e derrotas. Vida que segue. Serei eternamente grato à grande parte da população que me elegeu e que me apoiou mesmo nos momentos mais difíceis. Peço ainda que transmitam meus agradecimentos ao dr. Alckmin, dr. Gerardo Grossi, dr. Bulhões e dr. Ferrão.
Agradeço, também, aos verdadeiros amigos, as correntes de oração e especialmente à Flávia, de cuja coragem, carinho e amor verdadeiro retirei as forças necessárias para superar tantos obstáculos. Não posso negar que a doença coronariana que me levou ao cateterismo – e agora a cuidados especiais – foi variável importante nesta decisão.
Já vivi o bastante para saber que as razões políticas muitas vezes ultrapassam os limites do Direito – e que a humildade de saber parar pode valer mais que a mais triste e destemida insistência.
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